quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Chesterton - "Que queres como recompensa, Tomás?"


Quando Tomás se encontrava na tranquilidade da igreja de São Domingos, em Nápoles, ouviu-se uma voz que saía de uma imagem de Jesus Cristo crucificado; esta voz disse ao frade ajoelhado que ele tinha escrito bem, e propôs-lhe a escolha de uma recompensa dentre todas as coisas do mundo.

Creio que nem todos têm apreciado o significado desta história particular aplicada a este santo particular. É fato muito conhecido e frequente, se o consideramos simplesmente um oferecimento feito a um devoto da solidão ou da simplicidade, para escolher entre todas as coisas boas da vida. O eremita, verdadeiro ou fingido, o faquir, o fanático ou o cínico, o estilista em cima da sua coluna ou Diógenes na sua cuba podem representar-se tentados pelos poderes da terra, do ar ou dos céus, com a oferta do que há de melhor dentre todas as coisas, e a responder que de nada precisam. No cínico ou estóico grego realmente significava uma simples negação positiva, ou seja, que queriam o nada, que o nada era de fato o que queriam. Por vezes, expressava uma nobre independência e as virtudes gêmeas da Antiguidade: o amor da liberdade e o ódio do luxo. Outras vezes expressava só uma auto-suficiência, que é o verdadeiro oposto da santidade.

Mas as histórias e os santos desta espécie não abarcam o caso de Santo Tomás. Ele não era pessoa que não precisasse de nada, pois se interessava enormemente por tudo. A sua resposta não é tão inevitável ou simples como alguns possam supor. Comparado com muitos outros filósofos, tinha grande avidez na aceitação das coisas, fome e sede das coisas. Tinha como norma filosófica que há realmente coisas e não somente uma coisa, que a pluralidade existe tão realmente quanto a unidade. Não quero dizer coisas de comer, de beber ou de vestir, conquanto ele nunca negasse a estas o seu lugar na nobre hierarquia do ser, mas sim coisas para pensar, e especialmente coisas para provar, experimentar e conhecer.

Ninguém supõe que Tomás de Aquino, quando Deus lhe deu a escolher dentre todos os seus dons, fosse pedir um milhar de libras, a coroa da Sicília ou um vinho raro da Grécia. Mas podia pedir coisas que efetivamente desejava, pois que era homem que podia ter aspirações como, por exemplo, a do manuscrito perdido de São João Crisóstomo. Podia pedir a solução de qualquer dificuldade antiga, ou o segredo de uma ciência nova, ou uma chispa do inconcebível espírito intuitivo dos anjos, ou uma das mil coisas que teria satisfeito realmente o seu vasto apetite viril, tão vasto como a própria vastidão e variedade do universo.

A questão é que, para ele, quando a voz falou entre os braços abertos de Jesus Crucificado, estas braços estavam em verdade amplamente abertos e abrindo gloriosissimamente as portas de todos os mundos. Eram braços que apontavam para o oriente e o ocidente, para os extremos da terra, e para os próprios extremos da existência. Estavam em verdade abertos num gesto de onipotente generosidade: o próprio Criador a oferecer a própria criação, com todo o infinito mistério dos seres diversos e do coro triunfal das criaturas. É este o fundo esplendoroso da multiplicidade do ser, que dá força particular, e até uma espécie de surpresa, à resposta de Santo Tomás, quando levantou a cabeça finalmente e disse, com esta audácia quase blasfema que forma uma só coisa com a humildade da sua religião:
- Quero-Te a Ti.

G.K. Chesterton. Santo Tomás de Aquino. São Paulo: LTr, 2003. p. 117-118.
Fonte: GRAA

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Comentário ao Evangelho do dia (17/01) feito pelo Papa Francisco



Encíclica «Lumen fidei / A luz da fé», § 57 (trad. © Libreria Editrice Vaticana)


Vendo Jesus a fé daqueles homens, disse ao paralítico: «Filho, os teus pecados estão perdoados.»

 
O sofrimento recorda-nos que o serviço da fé ao bem comum é sempre serviço de esperança que nos faz olhar em frente, sabendo que só a partir de Deus, do futuro que vem de Jesus ressuscitado, pode a nossa sociedade encontrar alicerces sólidos e duradouros. Neste sentido, a fé está unida à esperança, porque, embora a nossa morada aqui na terra se vá destruindo, há uma habitação eterna que Deus já inaugurou em Cristo, no seu corpo (cf 2 Cor 4,16ss). Assim, o dinamismo de fé, da esperança e da caridade (cf. 1Tes 1,3; 1 Cor 13,13) faz-nos abraçar as preocupações de todos os homens, no nosso caminho rumo àquela cidade, «cujo arquitecto e construtor é o próprio Deus» (Heb 11,10), porque «a esperança não engana» (Rm 5,5).

Unida à fé e à caridade, a esperança projecta-nos para um futuro certo, que se coloca numa perspectiva diferente relativamente às propostas ilusórias dos ídolos do mundo, mas que dá novo impulso e nova força à vida de todos os dias. Não deixemos que nos roubem a esperança, nem permitamos que esta seja anulada por soluções e propostas imediatas que nos bloqueiam no caminho, que «fragmentam» o tempo transformando-o em momentos. O tempo é sempre superior aos momentos, iluminando-os e transformando-os em elos de uma cadeia, de um processo; o espaço cristaliza os processos, ao passo que o tempo projecta para o futuro e impele a caminhar na esperança. 
 
Fonte: Evangelho Quotidiano

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Estada de Jesus no Egito - Santo Afonso Maria de Ligório

 
 
 
Consugens (Ioseph), accepit puerum et matrem eius nocte, et secessit In Aegyptum — “Levantando-se (José) tomou consigo, ainda de noite, o Menino e sua Mãe, e retirou-se para o Egito” (Matth. 2, 14).


Sumário. Durante a sua estada no Egito, a sagrada Família se nos mostra modelo perfeitíssimo de uma família cristã e de uma comunidade religiosa. Quão bem ordenadas estavam todas as ocupações dessas santas pessoas, quão bem dividido o tempo entre o trabalho e a oração! Com o seu trabalho José ganha o pão para si e para os outros; Maria cuida principalmente de seu Filho; e Jesus começa a prestar a seus pais os primeiros leves serviços. Lancemos um olhar sobre nós mesmos e examinemos como temos imitado esses grandes modelos.


I. Jesus quis passar a sua infância no Egito, a fim de levar uma vida mais dura e desprezada. Segundo a opinião de Santo Anselmo e de outros escritores, a sagrada Família morou em Heliópolis. Contemplemos, com São Boaventura, a vida que Jesus levou no Egito, durante os sete anos que, conforme à revelação feita a Santa Maria Madalena de Pazzi, ali passou. A casa é muito pobre, porque São José só pode pagar um aluguel muito baixo; pobre é a cama, pobre a alimentação, pobre, em uma palavra, é toda a sua vida, porque, com o trabalho de suas mãos, só conseguem ganhar o necessário de dia em dia, e vivem num país onde são desconhecidos e desprezados, sem parentes nem amigos.


A sagrada Família vive, pois, em grande pobreza, mas como são bem ordenadas as ocupações desses três moradores! O santo Menino não fala com a boca, mas fala continuamente e eloqüentemente com o coração a seu Pai celestial, oferecendo-Lhe todos os seus padecimentos e todos os instantes de sua vida para nossa salvação. Maria tampouco fala, mas, vendo o seu caro Filhinho, contempla o amor divino e a graça que lhe fez escolhendo-a para sua Mãe. José trabalha igualmente em silêncio, mas vendo o divino Menino agradece-Lhe por tê-lo escolhido para companheiro e guarda de sua vida.


Foi naquela casa que Maria desabituou o menino Jesus de alimentar-se só com o leite e começou a alimentá-Lo com suas próprias mãos. Põe o Filho no colo, toma da tigelinha um pouco de pão amolecido em água e põe-Lho na sagrada boca. Naquela casa faz Maria para seu Filhinho o primeiro vestido e chegado o tempo de Lhe tirar as faixas, começa a vesti-Lo. Naquela mesma casa ainda começa Jesus a dar os primeiros passos e a falar. Começa ali a fazer o ofício de aprendiz, ocupando-se com os pequenos serviços que pode prestar uma criança.


Ó desmame! Ó vestidinho! Ó primeiros passos! Ó palavras balbuciadas! Ó pequenos serviços de Jesus Menino! Vós demasiadamente feris e abrasais os corações daqueles que amam Jesus e vos contemplam! Um Deus a andar vacilando e caindo! Um Deus a balbuciar! Um Deus feito tão débil, que não pode ocupar-se senão em pequenas coisinhas de casa, que não pode levantar um pão cujo peso excede as forças de uma criança. Ó santa fé, ilumina-nos a fim de que amemos um Senhor tão bom, que por nosso amor se sujeitou a tantas misérias.


II. Dizem que, quando Jesus entrou no Egito, caíram por terra todos os ídolos daquele povo. Roguemos a Deus que nos faça amar Jesus de todo o coração, porque, quando o amor de Jesus entra numa alma, caem todos os ídolos de afetos terrestres.


Ó Menino santo, que viveis nessa terra de bárbaros, pobre, desconhecido e desprezado, eu Vos reconheço por meu Deus e Salvador, e Vos dou graças por todas as humilhações e dores que sofrestes no Egito por meu amor. Com essa vossa vida ensinastes-me a viver como peregrino nesta terra, fazendo-me compreender que a minha pátria não é este mundo, senão o paraíso, que Vós viestes adquirir-me com a vossa morte. Ah, Jesus meu! Tenho pensado no que fizestes e padecestes por meu amor. Quando me lembro que Vós, ó Filho de Deus, tivestes nesta terra uma vida tão atribulada, pobre e desprezada, como é possível que eu ande à procura de prazeres e bens terrestres?


Ó meu amado Redentor, permiti que me associe convosco, admiti-me a viver nesta terra sempre unido a Vós para que unido a Vós chegue um dia a amar-Vos no céu, gozando de vossa companhia para sempre. Dai-me luz, aumentai a minha fé. Que bens e prazeres! Que dignidades e honras! Tudo é vaidade e loucura. A única riqueza, o único bem é possuir-Vos, ó meu Jesus, e a ninguém quero senão a Vós. Vós me quereis e eu Vos quero. Se possuísse mil reinos, renunciá-los-ia todos para Vos dar gosto: Deus meus et omnia — “Meu Deus e meu tudo!” Se em outros tempos corri atrás das vaidades e prazeres do mundo, agora detesto-os e estou arrependido. Meu Salvador amado, de hoje em diante, Vós sereis o meu único Bem, o meu único Amor, o meu único Tesouro. Maria Santíssima, rogai a Jesus por mim; rogai-Lhe que me faça rico de seu amor, e nada mais desejo. (II 388.)
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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 164 - 167)

Créditos: Blog São Pio V

Comentário do Evangelho do dia (16/01) feito pelo Papa Francisco



Encíclica «Lumen fidei / A luz da fé», §§ 56-57 (trad. © Libreria Editrice Vaticana, rev)


A fé, uma força consoladora no sofrimento

 
O cristão sabe que o sofrimento não pode ser eliminado, mas pode adquirir um sentido: pode tornar-se acto de amor, entrega nas mãos de Deus que não nos abandona e, deste modo, ser uma etapa de crescimento na fé e no amor. […] A luz da fé não nos faz esquecer os sofrimentos do mundo. Os que sofrem foram mediadores de luz para muitos homens e mulheres de fé; tal foi o leproso para São Francisco de Assis, ou os pobres para a Beata Teresa de Calcutá. Compreenderam o mistério que há neles; aproximando-se deles, certamente não cancelaram todos os seus sofrimentos, nem puderam explicar todo o mal. A fé não é luz que dissipa todas as nossas trevas, mas lâmpada que guia os nossos passos na noite, e isto basta para o caminho.

Ao homem que sofre, Deus não dá um raciocínio que explica tudo, mas oferece a sua resposta sob a forma duma presença que o acompanha, duma história de bem que se une a cada história de sofrimento para nela abrir uma brecha de luz. Em Cristo, o próprio Deus quis partilhar connosco esta estrada e oferecer-nos o seu olhar para nele vermos a luz. Cristo é Aquele que, tendo suportado a dor, Se tornou «autor e consumador da fé» (Heb 12, 2). 
 
 
Créditos: Evangelho Quotidiano

domingo, 19 de janeiro de 2014

Comentário do Evangelho do dia (15/01) feito por Santa Juliana de Norwich



(1342-depois de 1416), mística inglesa
Revelações do amor divino, cap. 43


«De madrugada, ainda escuro [Jesus] foi para um lugar solitário e ali Se pôs em oração»

 
A oração une a alma a Deus. Mesmo que a nossa alma, pela sua natureza, se assemelhe sempre a Deus, restaurada que foi pela graça, de facto ela é-Lhe muitas vezes dissemelhante por causa do pecado. A oração testemunha então que a alma deveria querer o que Deus quer; reconforta a consciência; torna-nos aptos a receber a graça. Deus ensina-nos, assim, a rezar com uma confiança firme de que receberemos aquilo que pedimos em oração; porque Ele olha-nos com amor e quer associar-nos à sua vontade e às suas acções benfazejas. Incita-nos, assim, a rezar para que seja feita a sua vontade […]; parece dizer-nos: «Que Me poderia satisfazer mais do que ouvir uma súplica fervorosa, sábia e insistente para que os Meus desígnios se cumpram?» Portanto, pela oração, a alma entra em concordância com Deus.

Mas quando, pela sua graça e a sua cortesia, Nosso Senhor Se revela à nossa alma, então obtemos o que desejamos. Nesse momento já não conseguimos ver que mais poderíamos pedir. Todo o nosso desejo, toda a nossa força, estão inteiramente concentrados nele, para O contemplar. Parece-me ser uma oração muito alta, impossível de sondar. O objectivo da nossa oração é estarmos unidos, pela visão e pela contemplação, Àquele a Quem rezamos, com uma alegria maravilhosa e um temor respeitoso, numa doçura e delícia tão grandes que, nesses momentos, não podemos rezar senão como Ele nos conduz a fazê-lo. Bem sei que, quanto mais Deus Se revela a uma alma, mais ela tem sede dele, pela sua graça; mas, quando não O vemos, sentimos a necessidade e a urgência de rezar a Jesus, por causa da nossa fraqueza e da nossa incapacidade. 
 
 
Fonte: Evangelho Quotidiano

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Comentário do Evangelho do dia (14/01) feito por Santo Ambrósio


 
(c. 340-397), bispo de Milão, doutor da Igreja
Comentário sobre o Evangelho de São Lucas, 4, 57; SC 45


«No Sábado […], ensinava como quem tem autoridade»

 
Foi num Sábado que o Senhor Jesus começou a realizar curas, para significar que a nova criação começa no ponto em que a antiga termina, e também para acentuar desde logo que o Filho de Deus não está submetido à Lei mas é superior à Lei, que não revoga a Lei mas a completa (Mt 5,17). Não foi pela Lei mas pelo Verbo que o mundo foi feito, como se pode ler: «Pela palavra do Senhor foram feitos os céus» (Sl 32,6). A Lei não é revogada mas completada, a fim de renovar o homem caído. Eis a razão por que o apóstolo Paulo diz: «Já que vos despistes do homem velho e vos revestistes do novo, que não cessa de se renovar à imagem daquele que o criou» (Col 3,9ss).

É por isso apropriado que o Senhor comece ao Sábado, para mostrar que é o Criador […], continuando a obra que outrora Ele próprio havia começado. Tal como o operário que se prepara para reparar uma casa, Ele não começa pelas fundações, mas pelo telhado: começa a demolir o que está danificado. […] Ao libertar o homem possuído, começa pelo menor para chegar ao maior; até os homens podem expulsar demónios – é certo que pela palavra de Deus –, mas ordenar aos mortos que ressuscitem apenas pertence ao poder de Deus. 
 
Créditos: Evangelho Quotidiano

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Comentário do Evangelho do dia (13/01) feito por São Jerónimo



Comentário do dia
São Jerónimo (347-420), presbítero, tradutor da Bíblia, doutor da Igreja
Homilias sobre o Evangelho de São Marcos, n°2A; SC 494

«Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo»

«Depois de João ter sido preso, Jesus foi para a Galileia». De acordo com a nossa interpretação, João representa a Lei e Jesus o Evangelho. Com efeito, João disse: «Depois de mim, vai chegar outro que é mais poderoso do que eu» (Mc 1,7), e ainda: «Ele deve crescer e eu diminuir» (Jo 3,30): é assim que ele compara a Lei ao Evangelho. E diz seguidamente: «Eu vos baptizarei em água, mas Ele baptizar-vos-á no Espírito Santo» (Mc 1,8). Jesus veio porque João tinha sido preso. Com efeito, a Lei está encerrada e fechada, já não tem a sua liberdade passada; mas nós passámos da Lei ao Evangelho. […]

«Jesus foi para a Galileia e proclamava a Boa Nova do Reino de Deus» […] Quando eu li a Lei, os profetas e os salmos, nunca ouvi falar do Reino dos céus: somente no Evangelho. Porque foi apenas quando chegou Aquele do qual se diz «o Reino de Deus está no meio de vós» (Lc 17,21) que o Reino de Deus se abriu. […] De facto, antes da chegada do Salvador e da luz do Evangelho, antes de Cristo ter aberto a porta do paraíso ao ladrão (Lc 23,43), todas as almas dos santos iam para a sepultura dos mortos. O próprio Jacob o diz: «Juntar-me-ei, chorando, a meu filho na sepultura» (Gn 37,35). […] Na Lei, Abraão está na sepultura dos mortos; no Evangelho, o ladrão está no paraíso. Não denegrimos Abraão, todos desejamos repousar no seu seio (Lc 16,23); mas preferimos Cristo a Abraão, o Evangelho à Lei.

Lemos que após a ressurreição de Cristo, muitos santos apareceram na cidade santa (Mt 27,53). O nosso Senhor e nosso Salvador pregou na terra e também pregou nos infernos; ao morrer, desceu aos infernos para libertar as almas que aí se encontravam acorrentadas (1Ped 3,18ss). 
Créditos: Evangelho Quotidiano

(Obs: "sepultura dos mortos" equivale ao limbo dos justos.)

Comentário do Evangelho do dia (12/01) feito por São Gregório de Nazianzo


(330-390), bispo, doutor da Igreja
Sermão 39, para a Festa das Luzes; PG 36, 359

«Convém que cumpramos assim toda a justiça»
 
João está a baptizar e Jesus vem até ele: vem santificar aquele que vai baptizá-Lo. Vem afogar nas águas por completo o velho Adão e, antes de o fazer e para o fazer, santifica as águas do Jordão. Ele, que é espírito e carne, quer completar o homem pela água e pelo Espírito (Jo 3,4).

O Baptista recusa e Jesus insiste. «Eu é que tenho necessidade de ser baptizado por Ti», diz a lâmpada ao Sol, o amigo ao Esposo, o maior dos filhos de mulher ao Primogénito de toda a criação (Jo 5,35; 3,29; Mt 11,11; Col 1,15). Diz o que dera um salto no ventre de sua mãe a Este que fora adorado no ventre de sua mãe, diz o precursor Àquele que acaba de Se manifestar e que Se manifestará no fim dos tempos: «Eu é que tenho necessidade de ser baptizado por Ti»; sabia, com efeito, que receberia o baptismo do martírio […].

Jesus levanta-Se das águas, arrastando nessa elevação todo o universo. Vê os céus rasgarem-se, esses céus que outrora Adão fechara para si mesmo e para a sua descendência, esse paraíso que estava como que aferrolhado por uma espada flamejante (Gn 3,24). O Espírito testemunha a divindade de Cristo; vem unir-Se ao seu igual. E uma voz desce do céu, porque é do céu que vem Aquele de quem dá testemunho. E uma pomba torna-se visível aos olhos da carne, para honrar a nossa carne que se torna divina. 
 
 
Créditos: Evangelho Quotidiano

Comentário do Evangelho do dia (11/01) feito por Santo Agostinho



(354-430), bispo de Hipona (Norte de África), doutor da Igreja
Sermão no nascimento de São João Baptista


Crescer ou diminuir?

«Ele é que deve crescer, e eu diminuir». Em João a justiça humana atingiu o auge possível para o género humano. A própria Verdade (Jo 14,6) dizia: «Entre os nascidos de mulher, não apareceu ninguém maior do que João Baptista» (Mt 11,11), por isso nenhum homem podia superá-lo. Mas ele era apenas homem, enquanto Jesus era homem e Deus. E porque, segundo a graça cristã, nos é pedido [...] que não nos gloriemos a nós próprios, mas «quem se gloria, que se glorie no Senhor» (2Cor 10,17), [...] por esse motivo diz João: «Ele é que deve crescer, e eu diminuir». É óbvio que, em Si próprio, Deus não pode aumentar ou diminuir. Mas nos homens, à medida que a verdadeira vida espiritual progride, cresce a graça divina ao diminuir o poder humano, até que a Igreja de Deus, formada por todos os membros do Corpo de Cristo (1Cor 3,16), alcance a perfeição a que foi destinada, e todas as dominações, poderes e autoridades desapareçam para Deus ser «tudo em todos» (Cl 1,16; 1Cor 15,28). [...]

«O Verbo era a luz verdadeira que, ao vir ao mundo, a todo o homem ilumina [...] [e] todos nós participamos da Sua plenitude» (Jo 1,9.16). Em Si própria, uma Luz assim é sempre total, crescendo naquele que é iluminado, que se vê diminuído quando se destrói tudo o que nele havia sem Deus. Porque sem Deus o homem só pode pecar, e esta capacidade humana diminui assim que a graça divina triunfa do pecado. A fraqueza da criatura cede então ao poderio do Criador e a vaidade do nosso egoísmo desmorona-se perante o amor que preenche todo o universo. Do fundo do nosso infortúnio João Baptista proclama a misericórdia de Cristo: «Ele é que deve crescer, e eu diminuir». 
Créditos: Evangelho Quotidiano

Comentário do Evangelho do dia (10/01) feito pelo Papa Francisco



Encíclica «Lumen fidei / A luz da fé», §§ 54-55 (trad. © Libreria Editrice Vaticana)


Um leproso reintegrado na sociedade

 
Quantos benefícios trouxe o olhar da fé cristã à cidade dos homens para a sua vida em comum! Graças à fé, compreendemos a dignidade única de cada pessoa, que não era tão evidente no mundo antigo. No século II, o pagão Celso censurava os cristãos por algo que lhe parecia uma ilusão e um engano: pensar que Deus tivesse criado o mundo para o homem, colocando-o no vértice do universo inteiro. […] No centro da fé bíblica, há o amor de Deus, o seu cuidado concreto por cada pessoa, o seu desejo de salvação que abraça toda a humanidade e a criação inteira e que atinge o clímax na encarnação, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Quando se obscurece esta realidade, falta o critério para individuar o que torna preciosa e única a vida do homem; e este perde o seu lugar no universo, extravia-se na natureza, renunciando à própria responsabilidade moral, ou então pretende ser árbitro absoluto, arrogando-se um poder de manipulação sem limites.

Além disso a fé, ao revelar-nos o amor de Deus Criador, faz-nos olhar com maior respeito para a natureza, fazendo-nos reconhecer nela uma gramática escrita por Ele e uma habitação que nos foi confiada para ser cultivada e guardada; ajuda-nos a encontrar modelos de progresso que não se baseiem apenas na utilidade e no lucro, mas considerem a criação como dom, de que todos somos devedores. 
 
Créditos: Evangelho Quotidiano

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

A participação da fé de Maria Santíssima


Os verdadeiros devotos da Santíssima Virgem participam de sua fé pura, firme e inquebrantável


Em um capítulo do excelente Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, São Luís de Montfort fala sobre os "maravilhosos efeitos desta devoção na alma que lhe é fiel" 01. O santo francês enumera e explica as maravilhas que são operadas naquelas almas que, totalmente entregues a Nossa Senhora, cultivam esta devoção, esforçando-se por colocá-la em prática. Estes efeitos são percebidos, sobretudo, "na alma", já que a verdadeira devoção mariana é interior: "parte do espírito e do coração"02.

O primeiro efeito do qual fala São Luís é o conhecimento e desprezo de si mesmo. De fato, quanto mais nos aproximamos de Deus, especialmente por meio da oração, mais conhecemos o quanto somos fracos, miseráveis e indignos. Nesta devoção, a luz do Espírito Santo revela ao homem o seu "fundo mau", a sua "corrupção e incapacidade para todo bem". Escreve São Luís: "Considerar-te-ás como um caracol, que tudo estraga com a sua baba, ou como um sapo, que tudo envenena com a sua peçonha, ou como uma serpente maliciosa, que só procura enganar".

Eis o verdadeiro caminho para chegar à humildade. Esta consiste em nada mais do que conhecer o que somos: "de barro somos feitos, (...) apenas somos pó" (Sl 102, 14). É, ao mesmo tempo, uma chave importante na luta contra o pecado: a desconfiança de nós mesmos. Quem confia demais em si mesmo, não duvidando das próprias disposições, dificilmente evitará as ocasiões de pecado e acabará por tornar-se presa fácil do demônio e de sua carne, tomada pela concupiscência. Ao contrário, quem conhece sua natureza decaída, sabendo de seu "fundo mau", evitará, resolutamente, o ócio, pelo qual advêm inúmeros maus pensamentos; a exposição a ambientes e ocasiões particulares de perigo; e as más companhias, "que corrompem os bons costumes" (1 Cor 15, 33).

O segundo efeito da verdadeira devoção é a participação da fé de Maria Santíssima. Quando aqueles que viveram de maneira virtuosa nesta vida partem à glória do Céu, já não precisam da fé, pois, entrando na plena posse de Deus, já contemplam face a face Aquele em que creram sem ter visto (cf. 1 Pd 1, 8). Com Maria, no entanto, aconteceu de modo diferente, diz São Luís: Deus preservou a sua fé, "a fim de conservá-la na Igreja militante para os Seus mais fiéis servos e servas". A fé de Maria é uma joia preciosa entesourada por Deus para a comunhão dos santos.

Aqueles que viverem fielmente esta devoção participarão da fé de Nossa Senhora: terão uma fé viva e animada de caridade – que fará a alma empreender todas as coisas pura e simplesmente por amor –, firme e inquebrantável – que não esmorece diante das dificuldades –, ativa e penetrante – capaz de perscrutar os mistérios do coração de Deus – , corajosa e reluzente – uma fé missionária que, tomada pelas graças de Deus por mediação de Maria, levará a outros a boa nova da salvação – e, por fim, uma fé pura, isto é, que não se preocupa "com o que é sensível e extraordinário".

Esta fé pura da qual fala São Luís é uma fé que escolhe "a melhor parte" (Lc 10, 42), por assim dizer. Com efeito, muitos escravos da Virgem permanecem na exterioridade desta devoção. "Se não experimentam prazer sensível nas suas práticas, julgam que já não fazem nada, desorientam-se, abandonam tudo, ou fazem as coisas precipitadamente"03, escreve o santo. Os verdadeiros devotos de Nossa Senhora, por outro lado, ainda que não sintam grandes coisas ou presenciem fatos extraordinários, permanecem em vigilância e oração. Eles têm consciência de que a vida aqui é um "vale de lágrimas", que Maria Santíssima não promete aos seus servos nenhuma felicidade plena neste mundo e que é preciso amar menos as consolações de Deus que o próprio Deus das consolações.

Aqueles que recorrem à bem-aventurada Virgem Maria com confiança granjeiam de nosso Senhor Jesus Cristo este precioso dom que é o de permanecer em contínua comunhão Consigo, com o desejo ardente de orar e falar-Lhe ao coração. Com a fé pura de Nossa Senhora, entregam-se à meditação e às coisas celestes não raras vezes sacrificando a própria vontade e oferecendo ao Senhor um sacrifício verdadeiramente agradável a Seus olhos.

Para mostrar a importância da pureza da fé, do não se preocupar "com o que é sensível e extraordinário", São Josemaría Escrivá responde à pergunta "Se não sinto vontade, não é autêntico?": 
 

Fonte: Padre Paulo Ricardo

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Imitação de Cristo III - Cap 22 - Da recordação dos inumeráveis benefícios de Deus


1. A alma: Abri, Senhor, meu coração à vossa lei, e ensinai-me o caminho de vossos preceitos. Fazei-me compreender a vossa vontade, e com grande reverência e diligente consideração rememorar os vossos benefícios, gerais ou particulares, para assim render-vos por eles as devidas graças. Bem
sei e confesso que nem pelo menor benefício vos posso render condignos louvores e agradecimentos. Eu me reconheço inferior a todos os bens que me destes, e quando considero vossa majestade, abate-se meu espírito com o peso de vossa grandeza.


2. Tudo o que temos, na alma e no corpo, todos os bens que possuímos, internos e externos, naturais e sobrenaturais, todos são benefícios vossos, e outras tantas provas de vossa bondade, liberalidade e muní cência, que de vós todos os bens recebemos. E ainda que este receba mais e outros menos, tudo é vosso, e sem vós ninguém pode alcançar a menor coisa. E aquele que recebeu mais não pode gloriar-se de seu merecimento, nem elevar-se acima dos outros, nem desprezar o menor; porque só é maior e melhor aquele que menos atribui a si, e é mais humilde e fervoroso em vos agradecer. E quem se considera mais vil e se julga o mais indigno de todos é o mais apto para receber maiores dons.

 3. O que, porém, recebeu menos não deve a igir-se, nem queixar-se, nem ter inveja do mais rico; olhará, ao contrário, para vós, e louvará vossa bondade, que tão copiosa e liberalmente prodigalizais vossas dádivas, sem acepção de pessoas. De vós nos vêm todas as coisas; por todas, pois, deveis ser louvado. Vós sabeis o que é conveniente dar a cada um, e não nos pertence indagar por que este tem menos, aquele mais; só vós podeis avaliar os merecimentos de cada um.

4. Por isso, Senhor meu Deus, considero como grande benefício o não ter eu muitas coisas que trazem a glória exterior e os humanos louvores. Portanto, ninguém, à vista de sua pobreza e da vileza de sua pessoa, deve conceber, por isso, desgosto, tristeza ou desalento, senão grande alegria e consolo, porque vós, Deus meu, escolheste por vossos particulares e íntimos amigos os pobres, os humildes e os desprezados deste mundo. Testemunho disto são vossos apóstolos, a quem constituístes príncipes sobre a terra. Todavia, viveram neste mundo tão sem queixa, tão humildes e com tanta
singeleza da alma, tão sem malícia ou dolo, que se alegravam de sofrer contumélias por vosso nome, e com grande afeto abraçavam o que o mundo aborrece.

5. Nada, pois, deve alegrar tanto aquele que vos ama e reconhece vossos benefícios, como ver executar-se a seu respeito vossa vontade e o beneplácito de vossas eternas disposições. Tanto deve com isto estar contente e satisfeito, que queira de tão boa vontade ser o menor, como outro desejaria
ser o maior; e tão sossegado e contente deve estar no último como no primeiro lugar, tão satisfeito em ser desprezado e abatido, sem nome nem reputação, como se fosse o mais honrado e estimado no mundo. Porque a vossa vontade e o amor de vossa honra deve ser anteposto a tudo, e deve
consolar e agradar mais ao vosso servo, que todos os dons presentes ou futuros.

Imitação de Cristo, Tomás de Kempis

Comentário do Evangelho do dia (08/01) feito por São Bernardo



(1091-1153), monge cisterciense, doutor da Igreja
1º Sermão para a Epifania

«Foi ter com eles de madrugada»

Eis que se manifesta «a bondade de Deus, nosso Salvador e o seu amor para com os homens» (Tt 3,4). Demos graças a Deus que nos dá a sua consolação em abundância neste nosso estado de peregrinos, neste exílio, nesta miséria aqui na terra. […] Antes de surgir a sua humanidade, a sua bondade também estava escondida. Claro que já existia anteriormente, porque «o amor do Senhor é eterno» (Sl 103, 17). Mas como poderíamos nós saber que era tão grande? Ela era objecto de uma promessa e não duma experiência. Eis a razão por que muitos não acreditavam. […]

Mas agora os homens podem acreditar no que vêem, pois «é digna de fé esta palavra»; e, para que não fique oculta a ninguém, «Deus fez, lá no alto, uma tenda para o Sol» (Sl 93,5; 19,5). Eis que a paz já não é prometida, mas enviada, já não é adiada para mais tarde, mas dada, já não é profetizada, mas proposta. Eis que Deus enviou à terra o tesouro da sua misericórdia, esse tesouro que haveria de ser aberto pela Paixão, para espalhar o preço da nossa Salvação que nele estava escondido. […] Pois, embora nos tenha sido dado apenas um Menino (cf Is 9,5), «é nele que habita realmente toda a plenitude da divindade» (Col 2,9). Na plenitude dos tempos, Ele veio na carne para ser visível aos nossos olhos de carne e para que, vendo a sua humanidade, a sua benevolência, reconhecêssemos a sua bondade. […] Haverá coisa que prove melhor a sua misericórdia, do que ver que Ele tomou a nossa miséria? «Senhor, que é o homem para cuidardes dele e o filho do homem para dele vos ocupardes?» (Sl 144,3; Job 7,17). 


Créditos: Evangelho Quotidiano

domingo, 5 de janeiro de 2014

Comentário do Evangelho do (05/01) por São Rafael Arnaiz Baron - Festa da Epifania do Senhor


Comentário do dia
São Rafael Arnaiz Baron (1911-1938), monge trapista espanhol
Escritos espirituais, 06/01/1937

«Entrando na casa, viram o Menino»

Adoração dos reis: os poderosos deste mundo prostram-se diante do humilde berço de uma criança. Ouro, incenso e mirra vindos do Oriente; ansiedade nos corações, poeira dos caminhos percorridos durante a noite, guiados por uma estrela. «Onde está O que acaba de nascer?» […] Passaram-se vinte séculos: muitas almas percorrem os caminhos da terra como os reis magos do Oriente e continuam a perguntar ao passar: «Vistes, acaso, aquele que a minha alma ama?» (Ct 3,3) É também uma estrela de luz que, iluminando o nosso caminho, nos conduz à humildade de uma manjedoura e nos mostra o que nos fez sair «das muralhas da cidade» (Heb 13,13; cf Lc 16,27). Ela mostra-nos um Deus que, sendo embora Senhor de tudo, carece de tudo. O Criador da luz e do calor do sol sofre de frio; Aquele que vem ao mundo por amor aos homens é esquecido pelos homens.

Tal como outrora, também agora há almas que procuram Deus. […] Infelizmente, nem todos conseguem encontrá-Lo, nem todos olham para a estrela que é a fé; também não ousam aventurar-se pelos caminhos que conduzem a Ele, que são a humildade, a renúncia, o sacrifício e quase sempre a cruz. […]

Quando esta noite, no coro, me recordava sem querer da minha infância, da minha casa, dos reis, o meu hábito de monge dizia-me outra coisa: tal como os magos, também eu vim à procura de uma manjedoura. Já não sou uma criança a quem se dêem brinquedos: os sonhos são agora maiores e não pertencem a esta vida. Os sonhos do mundo, tal como os brinquedos das crianças, dão felicidade enquanto esperamos por eles, mas depois tudo não passa de cartão. Os sonhos do céu são sonhos que duram toda a vida e depois não desapontam. Como os reis magos devem ter regressado felizes depois de terem visto Deus! Também eu O verei, só tenho de esperar um pouco. A manhã chegará em breve e, com ela, a luz. Que despertar feliz será esse! 
 
 
Fonte: Blog São Pio V

Santo Afonso Maria de Ligório - Sobre a pobreza de Jesus Menino

 
MEDITAÇÃO XI.

SOBRE A POBREZA DE JESUS MENINO.

Céu!! quem não se compadeceria ao ver o filho dum rei nascer em pobreza tal que o obrigasse a abrigar-se numa caverna úmida e fria, a não ter nem leite, nem servos, nem lume, nem mesmo os paninhos necessários para se acalentar?

Ah! meu Jesus, sois o Filho do Senhor do céu e da terra, e nessa gruta gelada não tendes senão uma manjedoura por berço, um pouco de palha por leito, e miseráveis paninhos para vos cobris! Os anjos vos rodeiam e louvam, mas não trazem nenhum alívio à vossa pobreza. Meu Redentor, quanto mais pobre sois, tanto mais amável vos devemos achar pois abraçastes essa grande pobreza para melhor ganhar o nosso amor. Se tivésseis nascido num palácio, se tivésseis um berço de ouro, se fosseis servido pelos maiores príncipes da terra, inspira-ríeis aos homens mais respeito, mas menos amor; essa gruta em que estais, esses panos grosseiros que vos cobrem, essa palha em que repousais, essa manjedoura que vos serve de berço, oh! como tudo isso obriga nossos corações a amar-vos, tanto mais que vos fizestes tão pobre a fim de vos tornar mais caro aos nossos olhos. “Quanto mais ele se abaixa por mim, exclama S. Bernardo, tanto mais caro me é”. Fizestes-vos pobre para enriquecer-nos dos vossos bens, isto é, da vossa graça e da vossa glória; é S. Paulo que o diz: Ele se fez indigente... a fim de que sua indigência nos enriquecesse.

A pobreza de Jesus Cristo é para nós uma fonte de grandes riquezas, porque nos move a adquirirmos os bens do céu desprezando os da terra. — Ó meu Jesus, a quantos santos a vossa pobreza fez deixar tudo, riquezas, honras, mesmo coro-as, para viverem pobres convosco. Por favor, ó meu Salvador, desapegai-me também de toda afeição aos bens terrenos, a fim que me torne digno de obter o vosso santo amor e de possuir a vós, Bem infinito!


Afetos e Súplicas.

Ó divino Infante, pena que não posso dizer-vos com vosso caro S. Francisco: “Meu Deus, sois tudo para mim!” ou com Davi: Que há para mim no céu? e fora de vós, que posso desejar sobre a terra? Sois o Deus do meu coração, e a minha única herança para a eternidade. Oxalá pudesse, também eu, não desejar no futuro outra riqueza senão a do vosso amor; de maneira que as vaidades do mundo não tivessem mais domínio sobre o meu coração, e só vós fosseis o seu único Senhor, ó meu Bem-amado! Sim, quero começar hoje a dizer-vos: Sois o Deus do meu coração e a minha herança para a eternidade!

Ah! no passado procurei os bens terrestres, e que encontrei? espinhos e fel! Hoje sinto mais contentamento em me achar aos vossos pés, para vos agradecer e amar, do que proporcionaram todos os meus pecados. Uma só coisa me aflige: o te-mor de que me não tenhais ainda perdoado. Mas as vossas promessas de perdoar a quem se arrepende, a pobreza a que vos vejo reduzido por meu amor, a vossa voz que me convida a amar-vos, as lágrimas, o sangue que derramastes por mim, as dores, as ignomínias, a morte cruel que sofrestes para a minha salvação, tudo isso me consola e me faz esperar com segurança o meu perdão. E se ainda me não perdoastes, dizei-me o que tenho a fazer. Quereis me arrependa de minhas iniqüidades, oh! arrependo-me de todo o coração de vos haver ofendido, meu Jesus! Quereis que vos ame? amo-vos mais do que a mim mesmo. Quereis que renuncie e tudo? oh! sim, renuncio a tudo e dou-me todo a vós. Sei que me aceitais; sem isso, não teria nem arrependimento, nem amor, nem desejo de dar-me a vós. Dou-me pois a vós, ó meu Deus, e vós me recebeis; amo-vos e vós me amais. Não permitais que esse nosso mútuo a-mor cesse jamais de nos unir.
Minha Mãe, Maria, obtende-me a graça de amar sempre a Jesus e de ser sempre amado por Jesus.


Fonte: Blog São Pio V

Jesus é alimentado - Santo Afonso Maria de Ligório


 
Quis mihi det te fratrem meum, sugentem ubera matris meae? — “Quem te dará a mim por irmão, que tomara o leite da minha mãe?” (Cant. 8, 1.)

Sumário. Quando o Menino Jesus foi envolto em paninhos, suspirou pelo alimento da Virgem Maria, e tomando-o já pensava em como havia de mudá-lo naquele sangue com que deveria um dia resgatar as almas sobre a cruz e alimentar nelas a vida da graça pela Comunhão. Roguemos à divina Mãe que nos alimente com o leite de uma devoção terna e amorosa à Infância de Jesus.

I. Depois que o Menino Jesus foi envolto nas faixas, pediu por vagidos a alimentação de Maria. A esposa dos Cânticos desejava ver seu irmãozinho tomando o alimento maternal — Quis mihi det te fratrem meum, sugentem ubera matris meae? Aquela esposa desejava-o, mas não foi atendida. Nós, ao contrário, temos a ventura de ver o Filho de Deus, feito homem e nosso irmãozinho, pedir a Maria o alimento próprio da sua idade. Que espetáculo era para o Paraíso ver o Verbo divino feito criança, nutrir-se com o leite que lhe oferecia uma virgenzinha, sua criatura! Aquele que nutre todos os homens e todos os animais da terra, ei-lo reduzido a tal estado de fraqueza e de pobreza, que precisa de um pouco de leite para sustentar a vida. Soror Paula Camaldulense, ao contemplar uma imagem de Jesus tomando leite, sentia cada vez o coração abrasado de terníssimo amor para com Deus.

Jesus, porém, alimentava-se poucas vezes por dia, e cada vez em pequena quantidade. Foi revelado à Soror Mariana, da ordem franciscana, que Maria Santíssima alimentava o Filho só três vezes cada dia. Ah! Como foi precioso para nós aquele leite que nas veias de Jesus Cristo devia mudar-se em sangue e assim preparar um banho salutar, no qual pudéssemos lavar as nossas almas! — Ponderemos ainda que Jesus tomava o leite a fim de nutrir este corpo que queria deixar-nos como nosso alimento na santa Comunhão. Ó meu pequenino Redentor, enquanto tomais alimento, estais pensando em mim; pensais em como aquele leite se transformará no sangue que um dia derramareis antes de morrer, a fim de resgatar por tão alto preço a minha alma e alimentá-la com o Santíssimo Sacramento, que é o leite salutar por meio do qual o Senhor conserva as nossas almas na vida da graça. Lac vestrum Christus est, diz Santo Agostinho, — O vosso leite é Jesus Cristo.

Ó meu amado Menino, ó Jesus meu, permiti que eu também exclame com a mulher do Evangelho: Beatus venter qui te portavit, et ubera quae suxisti (1) — “Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os peitos a que foste criado”. Bem-aventurada sois vós, ó divina Mãe por terdes tido a sorte feliz de alimentardes o Verbo encarnado. Por piedade: admiti-me, em companhia do vosso divino Filho, a receber de vós o leite de uma devoção terna e amorosa à infância de Jesus e a vós, minha amadíssima Mãe.


II. Ó dulcíssimo e amabilíssimo Jesus Menino! Vós sois o Pão do céu, que sustenta aos anjos; Vós dispensais alimentos a todas as criaturas. Como é, pois, que estais reduzido à necessidade de pedir a uma virgenzinha um pouco de leite para sustentardes a vida? Ó amor divino! Como pudestes reduzir um Deus a tal estado de pobreza, que precisa pedir algum alimento? Mas já Vos entendo, ó meu Jesus: nessa gruta aceitais o leite de Maria a fim de mudá-lo em vosso sangue, e oferecê-lo um dia a Deus como sacrifício em satisfação pelos nossos pecados. Ó Maria, continuai a alimentar o vosso Filho, porque cada gota desse leite servirá para limpar a minha alma das suas culpas, e a nutri-la depois na santa Comunhão. Ó meu Redentor, como poderá deixar de Vos amar aquele que crê tudo que tendes feito e padecido pela nossa salvação? E eu, como me foi possível saber tudo isso e ser-Vos tão ingrato?

Mas, a vossa bondade é a minha esperança, porque me ensina que basta querer a vossa graça para obtê-la. Pesa-me, ó meu supremo Bem, de Vos ter ofendido e amo-Vos sobre todas as coisas. Ou, para dizer melhor, não amo nada senão a Vós, e só a Vós quero amar. Vós sois e sereis sempre o meu único bem, o meu único amor. Meu amado Redentor, concedei-me, Vô-lo peço, uma terna devoção à vossa santa infância, como a concedestes a tantas almas que com pensarem em Vós, ó Deus-Menino, se esqueciam de todas as coisas e, ao que parece, não pensavam em mais nada senão em Vos amar. Verdade é que elas são inocentes, e eu sou pecador; mas Vós Vos fizestes menino para Vos fazerdes amar também pelos pecadores. Pecador tenho sido; mas agora amo-Vos de todo o meu coração e nada mais desejo senão vosso amor. — Ó Maria, concedei-me uma parte dessa ternura com que alimentastes a Jesus Menino. (II 367.)
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1. Luc. 11, 27.


(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 117 - 119)





Fonte: Blog São Pio V

Santo Afonso - Ocupações do Menino Jesus no estábulo de Belém

 
 
MEDITAÇÃO X.

OCUPAÇÕES DE JESUS MENINO NO ESTÁBULO DE BELÉM.

 
As duas ocupações principais dum eremita são: orar e fazer penitência: na gruta de Belém Jesus Menino nos dá o exemplo disso. No estábulo, que escolheu por oratório sobre a terra, não cessa de orar a seu Pai eterno; lá faz continuamente atos de adoração, de amor e de súplica.
 
É certo que já antes desse tempo a Majestade divina tinha sido adorada pelos anjos e pelos homens; mas não recebera certamente de todas as criaturas a honra que lhe prestou o Menino Jesus, adorando-a no estábulo em que nasceu. Unamos pois sempre as nossas adorações às que Jesus ofereceu a Deus enquanto se achava no mundo.
 
Quão puros e perfeitos eram os atos de amor que o Verbo encarnado oferecia a seu Pai na meditação! O Senhor ordenara aos homens o amassem de todo o coração e de todas as forças; mas esse preceito nunca fora perfeitamente observado por nenhum homem: a primeira mulher que o cumpriu foi Maria; e o primeiro homem foi Jesus Cristo que o cumpriu duma maneira imensamente mais extensa do que Maria. Pode-se dizer que o amor dos Serafins era frio em comparação do divino Infante. Aprendamos dele a amar o nosso Deus como o devemos, e peçamos-lhe nos comunique uma centelha do amor puríssimo com que amava seu Pai eterno no estábulo de Belém.
 
E quão belas também, e perfeitas e agradáveis a Deus eram as preces do Menino Jesus! Orava ao Pai em todos os instantes, e as suas preces eram todas para nós, e para cada um de nós em particular. Todas as graças que cada um de nós recebeu do Senhor, como a vocação à verdadeira fé, o tempo de fazer penitência, as luzes, o arrependimento dos pecados cometidos, o perdão, os santos desejos, as vitórias alcançadas contra as tentações, e todos os outros atos de virtude que fizemos ou que faremos, como de confiança, humildade, amor, agradecimento, oferecimento, resignação, foi Jesus que nos obteve tudo, tudo é feito das preces de Jesus. Quando pois lhe devemos, e quanto lhe devemos, e quanto lhe devemos agradecer e amar!


Afetos e Súplicas.
 
Ah! quanto vos devo, meu caro Redentor! Se não tivésseis orado por mim, em que estado de ruína eu me acharia! Agradeço-vos, meu Jesus, as vossas preces me obtiveram o perdão dos meus pecados, e, espero, me obterão ainda a perseverança até à morte. Orastes por mim, agradeço-vos de todo o coração; mas, conjuro-vos, não cesseis de pedir. Sei que, mesmo no céu, continuais a ser o novo Advogado: Nós temos, diz S. João, um advogado junto do Pai, Jesus Cristo. Sei que continuais a pedir por nós: Ele intercede ainda por nós, ajunta S. Paulo. Continuai, pois, meu Jesus, mas pedi mais particularmente por mim que, mais do que os outros, necessito das vossas preces. Confio que, em consideração dos vossos méritos, já me tenhais perdoado; mas como tenho caído tantas vezes, posso cair ainda: o inferno não se cansa e não se cansará de tentar-me para me fazer perder de novo a vossa amizade. Ah! meu Jesus, sois a minha esperança: espero de vós a força de resistir; a vós é que a peço e de vós a espero. Mas não me contento com a graça de não recair, peço-vos ainda a graça de vos amar muito. Aproxima-se a hora da minha morte; se morresse agora, esperaria ser salvo, mas pouco vos amaria no céu porque pouco vos tenho amado até este dia; ora, quero amar-vos muito no resto da minha vida para vos amar muito na eternidade.
 
Ó Maria, minha Mãe, pedi também, pedi a Jesus por mim: os vossos rogos são onipotentes junto desse divino Filho, que tanto vos ama. Já que desejais tão ardentemente vê-lo amado, impetrai-me um grande amor da sua bondade, e que esse amor seja constante e eterno.


Fonte: Blog São Pio V

sábado, 4 de janeiro de 2014

Comentário ao Evangelho do dia (04/01) por Santo Afonso Maria de Ligório



Santo Afonso-Maria de Ligório (1696-1787), bispo, doutor da Igreja
1ª meditação para a Oitava do Natal
«Eis o Cordeiro de Deus!»
«Ando errante como ovelha tresmalhada; vinde em busca do vosso servo» (Sl 118,176). Senhor, eu sou a pobre ovelha que se perdeu quando corria atrás da satisfação dos seus gostos e dos seus caprichos. Mas Tu, que és simultaneamente Pastor e Cordeiro, Tu desceste do céu para me salvar, imolando-Te na cruz como vítima em expiação pelos meus pecados: «Eis o Cordeiro de Deus.» Assim, pois, se quero corrigir-me, nada tenho a temer. […] «Eis o Deus que me salva, tenho confiança e nada temo» (Is 12,2). Tu entregaste-Te a mim e, para me inspirares confiança, não podias dar-me maior prova da tua misericórdia.

Querido Menino! Tenho tanta pena de Te ter ofendido! Fiz-Te chorar no estábulo de Belém; mas sei que vieste procurar-me. Por isso, lanço-me a teus pés e, a despeito da pobreza e da humilhação em que Te vejo nesse presépio e sobre essa palha, reconheço-Te como meu rei e meu soberano Senhor. Compreendo o sentido das tuas doces lágrimas, que me convidam a amar-Te e me pedem o coração. Ei-lo aqui, meu Jesus, estou hoje a teus pés para To oferecer. Muda-o, abrasa-o, porque desceste do céu para abrasar os corações com o teu santo amor. Oiço-Te dizer-me desse presépio: «Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração» (Mt 22,37; Dt 6,5); e respondo-Te: «Meu Jesus, se não Te amar a Ti, meu Senhor e meu Deus, a quem amarei?»


Créditos: Evangelho Quotidiano

Santo Afonso Maria de Ligório - Jesus envolto em faixas.

 Jesus envolto em faixas. 
Por Santo Afonso Maria de Ligório

Et pannis eum involvit — “Envolveu-o em faixas” (Luc. 2, 7).

Sumário. Imaginemos ver a Maria que toma com reverência seu divino Filho, o adora, o beija e em seguida o envolve nas faixas. O santo Menino oferece obediente as mãos e os pés, e sentindo que lhe apertam as faixas, pensa nas cordas com que um dia será amarrado no Horto. Se um Deus assim se deixa enfaixar, não será por ventura justo que nos deixemos ligar também com os laços de seu amor, e nos desfaçamos de qualquer afeto terreno?

I. Imaginai verdes a Maria que, depois de ter dado à luz seu divino Filho, O toma com reverência nos braços, adora-O primeiro como seu Deus, e em seguida O enfaixa estreitamente: Membra pannis involuta, Virgo Mater alligat (1). Vêde como o Menino Jesus obediente oferece as mãozinhas, oferece os pés e se deixa enfaixar. Ponderai que, cada vez que o divino Infante se deixava enfaixar, pensava nas cordas com que um dia devia ser amarrado no Horto, naquelas que depois deviam prendê-lo à coluna, e nos pregos que deviam fixá-lo na cruz. Pensando assim, deixava-se de boa mente enfaixar, a fim de livrar as nossas almas dos laços do inferno.

Jesus, estreitado nas faixas, volve-se a nós e convida-nos a que nos unamos consigo pelos doces laços do amor. Volvendo-se em seguida a seu Eterno Pai diz: “Meu Pai, os homens abusaram de sua liberdade e, revoltados contra Vós, tornaram-se escravos do pecado. Para compensar a sua desobediência, quero ser envolto e estreitado nestas faixas. Assim ligado, ofereço-Vos a minha liberdade, a fim de que o homem fique livre da escravidão do demônio. Aceito estas faixas, que me são caras, e mais caras ainda, porque são símbolos das cordas com que, desde agora, me ofereço a ser um dia amarrado e conduzido à morte para salvação dos homens.”

Vincula illius alligatura salutaris (2) — “Os seus vínculos são ligadura de salvação”. As faixas de Jesus foram as ligaduras saudáveis para curar as chagas de nossas almas. — Portanto, ó meu Jesus, quisestes ser estreitamente envolto em faixas por meu amor, e eu me recusarei a fazer-me ligar pelos laços do vosso amor? Terei para o futuro ainda a coragem de me desligar dos vossos laços tão suaves e amáveis, para me fazer escravo do inferno? Meu Senhor, por amor meu estais ligado nesta manjedoura, quero sempre estar ligado em união convosco.


II. Dizia Santa Maria Madalena de Pazzi, que as faixas que nos devem prender são a firme resolução de nos unirmos a Deus pelo amor, desfazendo-nos ao mesmo tempo do afecto a qualquer coisa que não seja Deus. Parece que é para este mesmo fim que o nosso amante Jesus se quis deixar ficar, por assim dizer, ligado e prisioneiro, no Santíssimo Sacramento do altar, debaixo das espécies sacramentais, a fim de fazer as almas suas diletas, prisioneiras de seu amor.

Meu amado Menino, como poderei temer os vossos castigos, já que Vos vejo ligado estreitamente nas faixas, como que privando-Vos do poder de levantar as mãos para me punir? Com as faixas me dais a entender que não me quereis castigar, se eu quero quebrar os laços dos meus vícios e ligar-me a Vós. Sim, meu Jesus, quero rompê-los. Pesa-me de toda a minha alma, de me ter separado de Vós pelo abuso da liberdade que me destes. Vós me ofereceis outra liberdade mais bela, a que me livra do cativeiro do demônio e me faz aceitar no número dos filhos de Deus. Por meu amor Vos deixastes atar com essas faixas; eu quero ser cativo do vosso grande amor. Ó laços ditosos, ó formosas insígnias de salvação, que ligais as almas a Deus, por piedade, ligai também o meu pobre coração. Ligai-o tão fortemente, que para o futuro nunca mais se possa apartar do amor ao Bem supremo. Jesus meu, amo-Vos, a Vós me quero ligar, e Vos dou todo o meu coração, toda a minha vontade. Não quero mais deixar-Vos, ó meu amado Senhor.

Ó meu Salvador, para pagar o que eu estava devendo, quisestes não somente Vos deixar enfaixar por Maria, mas também permitistes que os algozes Vos ligassem como a um réu, e assim ligado Vos levassem pelas ruas de Jerusalém, para ser conduzido à morte, como um cordeiro que vai ao matadouro; quisestes ser pregado na cruz, e não a deixastes senão depois de deixardes de viver! Não permitais que ainda me separe de Vós, e assim fique outra vez privado da vossa graça e do vosso amor. — O Maria, vós que um dia ligastes com as faixas vosso Filho inocente, ligai-me agora a vosso Jesus, a mim pecador, a fim de que não me afaste mais de seus pés, e um dia chegue a ter a ventura de entrar naquela pátria beata, onde já livre de todo temor nunca mais poderei separar-me do seu santo amor. (II 366).
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1. Hymn. s. Crucis Pangue lingua.
2. Ecclus. 6, 31.


(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 114 - 116.)

Comentário do dia (03/01) por Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein)



Comentário do dia
Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein) (1891-1942), carmelita, mártir, co-padroeira da Europa
As Bodas do Cordeiro, 14/09/1940


«O Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo»

No Apocalipse, o apóstolo São João escreveu: «Eis o que eu vi: em frente do trono […] havia um Cordeiro, que se mantinha de pé e que estava como que imolado» (Ap 5,6). Enquanto contemplava esta visão, uma lembrança se mantinha bem viva nele: a do dia inesquecível em que, na margem do Jordão, João Baptista tinha designado Jesus como «o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo». […]

Mas porque tinha o Senhor escolhido o cordeiro como seu símbolo por excelência? Porque Se mostrava ainda sob esse aspecto no trono eterno da glória? Porque era inocente como um cordeiro e humilde como um cordeiro e porque tinha vindo para ser levado ao matadouro como um cordeiro (Is 53,7). Também isto tinha o Apóstolo São João contemplado quando o Senhor deixara que Lhe atassem as mãos no Jardim das Oliveiras e Se deixara pregar na cruz no Golgotha. No Golgotha, fora consumado o verdadeiro sacrifício da reconciliação. Os sacrifícios antigos tinham perdido a sua força e, tal como o antigo sacerdócio, acabaram logo que o Templo foi destruído. Tudo isto tinha sido vivenciado por São João. Esta foi a razão pela qual ele não estranhou ver o Cordeiro no trono. […]

Como o Cordeiro devia ser morto para ser elevado ao trono da glória, também para todos os que são escolhidos para «o banquete das bodas do Cordeiro» (Ap 19,9) o caminho para a glória passa pelo sofrimento e pela cruz. Os que querem unir-se ao Cordeiro devem deixar-se pregar com Ele na cruz. Todos os que são marcados com o sangue do Cordeiro (cf Ex 12,7) – todos os baptizados – são chamados a isso; mas nem todos entendem a chamada e nem todos O seguem. 
 
 
Créditos: Evangelho Quotidiano

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Não recuso o combate - Santa Teresinha do Menino Jesus

 Oh! não, não me atemorizo com uma vida longa. Não me nego  ao combate, pois o Senhor é a rocha na qual fui criada. Adestra minhas mãos para a luta, e meus dedos para a guerra. É o meu escudo. Nele espero. Por isso, nunca pedi ao Bom Deus que morresse jovem. Verdade é, sempre esperei com o desejo de trabalhar pela sua glória, e sabeis, minha Madre, que meus desejos são muitos grandes. Sabeis, outrossim, que Jesus me apresentou mais de um cálice amargo, mas afastou-o dos meus lábios antes que o bebesse, mas não antes que me fizesse saborear sua amargura.

Madre muito amada, tinha razão o santo Rei Davi, quando cantava: Oh! quão bom e quão suave é para irmãos habitarem juntos em perfeita unidade. É exato, experimentei-o muitas vezes, mas é nas entranhas dos sacrifícios que tal união deve formar-se na terra. Não foi para viver com minhas irmãs que vim ao Carmelo, mas unicamente para atender ao chamado de Jesus. Ah! bem pressentia que viver com suas irmãs, quando se não quer fazer nenhuma concessão à natureza, seria motivo de contínuo sofrimento.

Como se pode afirmar que é maior perfeição apartar-se alguém dos seus?... Já se levou a mal alguma vez que irmãos combatam no mesmo campo de batalha, que juntos acorram para alcançar a palma do martírio?... Sem dúvida alguma, formou-se a justa opinião de que se animariam uns aos outros, como também que o martírio de cada qual se tornaria comum de todos. Assim, também, acontece na vida religiosa, a que os teólogos chamam de martírio. - Quando o coração se dá a Deus, não perde a afetividade. Pelo contrário. A afetividade cresce, na medida que se torna mais pura e mais divina.

Madre muito amada, é com um afeto assim que vos amo, que amo minhas irmãs. Sinto-me feliz de combater, em família, pela glória do Rei dos Céus. Estou, porém, disposta a voar para outro campo de luta, se o Divino General me manifestar seu desejo. Não se faria mister voz de comando; apenas um olhar, um simples aceno.


Santa Teresinha do Menino Jesus, História de Uma Alma

A noite de luz - Santa Teresinha do Menino Jesus



Em 25 de Dezembro de 1886 recebi a graça de sair da infância, numa palavra, a graça de minha conversão completa. - Voltávamos da Missa da meia-noite, na qual tive a ventura de receber o Deus forte e poderoso. Chegando aos Buissonnets, senti a alegria de ir pegar meus sapatos na lareira. Tanta alegria nos proporcionara na infância o antigo costume, que Celina queria continuar a ter-me como caçula, por ser o bebê da família... Papai gostava de ver minha satisfação, de ouvir meus gritos de alegria, quando eu retirava cada surpresa de dentro dos sapatos encantados, e o contentamento do meu querido Rei aumentava minha felicidade. Jesus, porém, querendo mostrar-me que devia livrar-me dos defeitos da infância, subtraiu-me também as inocentes alegria dessa idade. Permitiu que Papai, extenuado com a Missa da meia-noite, se enfadasse à vista dos meus sapatos na lareira, e proferisse estas palavras que me atravessaram o coração: "Afinal, que sorte ser este o último ano!..." Então, subia eu a escada para tirar o chapéu. Conhecendo minha sensibilidade, e vendo lágrimas brilharem em meus olhos, Celina também estava bem a ponto de chorar, pois me queria muito bem e compreendia minha mágoa: "Ó Teresa, disse-me ela, não desças. Ser-te-ia por demais custoso ir neste momento ver o que há nos teus sapatos". Teresa, porém, já não não era a mesma. Jesus transformara-lhe o coração. Depois de sufocar minhas lágrimas, desci rapidamente a escadaria. A comprimir as batidas do coração, peguei meus sapatos, coloquei-os diante do Papai, e fui tirando alegre todos os objetos, com ar feliz de uma rainha. Papai ria-se, tinha também recuperado a alegria, e Celina estava sob a impressão de um sonho!... Felizmente, era uma doce realidade. Teresinha reencontrara a força de ânimo que perdera aos quatro anos e meio, e conserva-la-ia para sempre!...

A partir desta noite de luz, começou o terceiro período de minha vida, o mais belo de todos, o mais repleto de graças do Céu... A tarefa que em dez anos não me foi possível desempenhar, Jesus a executou num ápice, contentando-se com minha boa vontade, que nunca me faltou. Como seus Apóstolos, poderia dizer-lhe: "Senhor, pesquei toda a noite, e nada apanhei". Para comigo, mais misericordioso ainda, do que para com seus Discípulos, o próprio Jesus tomou a rede, lançou-a, e recolheu-a cheia de peixes... Fez-me pescadora de almas. Senti grande desejo de trabalhar pela conversão dos pecadores,, desejo que nunca sentira de maneira tão pronunciada... Senti, numa palavra, a caridade penetrar-me no coração, a necessidade de esquecer-me a mim mesma, para dar prazer, e, desde então, fui feliz!...


Santa Teresinha do Menino Jesus, História de uma alma.

Como praticar a devoção dos Cinco Primeiros Sábados


"Deus quer estabelecer no mundo a devoção a meu Imaculado Coração"

Na terceira aparição, em Fátima, a 13/7/1917, a SSma. Virgem anunciou que viria pedir a comunhão reparadora nos primeiros sábados. Mais tarde, a 10/12/1925, quando a Irmã Lúcia já estava na Casa das Dorotéias, em Pontevedra, na Espanha, Nossa Senhora apareceu-lhe de novo. A Seu lado via-se o Menino Jesus, em cima de uma nuvem luminosa:

"Olha, minha filha - disse-lhe a Virgem Maria - o meu Coração cercado de espinhos que os homens ingratos a todos os momentos Me cravam com blasfêmias e ingratidões. Tu, ao menos, vê de Me consolar, e dize que todos aqueles que durante cinco meses, no primeiro sábado:

* se confessarem;
* receberem a Sagrada Comunhão;
* rezarem um terço e;
* Me fizerem quinze minutos de companhia meditando nos vinte mistérios do Rosário com o fim de Me desagravar.

Eu prometo assisti-los na hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação dessas almas."


A confissão

No dia 15 de fevereiro de 1926, apareceu-lhe de novo o Menino Jesus. Perguntou-lhe se já tinha espalhado a devoção à sua Santíssima Mãe. A Irmã Lúcia apresentou a dificuldade que algumas almas tinham de se confessar ao sábado, e pediu para ser válida a confissão de oito dias.

"Sim, pode ser de muitos mais ainda, contanto que, quando Me receberem, estejam em graça, e que tenham a intenção de desagravar o Imaculado Coração de Maria."

Exceção de cumprir no primeiro domingo de cada mês

Quatro anos depois, na madrugada de 29 para 30 de maio de 1930, Nosso Senhor revelou interiormente à Irmã Lúcia outro pormenor a respeito das comunhões reparadoras dos cinco primeiros sábados:

- E quem não puder cumprir com todas as condições no sábado, não satisfará com os domingos? - Perguntou a religiosa.

- Será igualmente aceita a prática desta devoção no domingo seguinte ao primeiro sábado, quando os meus Sacerdotes, por justos motivos, assim o concederem às almas. - Respondeu Nosso Senhor.

Por que os cinco Sábados?

Esta pergunta, levantada por muitos, também a fez a Irmã Lúcia a Nosso Senhor, que assim lhe respondeu: "Minha filha, o motivo é simples: são cinco as espécies de ofensas e blasfêmias proferidas contra o Imaculado Coração de Maria.

1. As blasfêmias contra a Imaculada Conceição;

2. Contra a sua virgindade;

3. Contra a maternidade divina, recusando, ao mesmo tempo, recebê-La como Mãe dos homens;

4. Os que procuram publicamente infundir, nos corações das crianças, a indiferença, o desprezo, e até o ódio para com esta Imaculada Mãe;

5. Os que A ultrajam diretamente nas Suas sagradas imagens". (Cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, Porto, 1973).


Fonte: ACNSF

Amor esquecido.. - Santo Afonso Maria de Ligório

     
     

"Exulta e louva o Senhor, ó casa de Sião, porque o Grande, o Santo de Israel está no meio de ti" (Is 12,6). Meu Deus, que alegria, que esperanças, que afetos não deveríamos conceber nós homens a, ao considerar que no meio de nossa pátria, em nossas igrejas, perto de nossas casas, habita e vive, no Santíssimo Sacramentado do altar, o Santo dos santos, o verdadeiro Deus, aquele cuja presença faz a felicidade dos bem-aventurados no céu, aquele que é o amor mesmo! "Este sacramento, - diz São Bernardo, - não é somente um sacramento de amor, mas é o amor mesmo"; é esse Deus que, pelo amor imenso que tem às criaturas, é chamado, e com efeito é o amor em essência: "Deus é amor" (1Jo 4, 16).

Mas ouço que vos queixais, Jesus sacramentado, que vistes à terra para ser nosso hóspede e nos cumular de bens e não fostes acolhido por nós: "eu estava entre vós e não me recebestes" (Mt 25,43).
                     
É verdade, Senhor, tendes razão: eu mesmo sou um desses ingratos que vos hão deixado só, que não vos têm visitado. Castigai-me como quiserdes, mas não me apliqueis a pena que mereço, isto é, a de ser privado da vossa presença, pois eu quero emendar-me reparar a minha criminosa indiferença; quero para o futuro não só visitar-vos com frequência, mas também entreter-me convosco tanto quanto posa. Misericordiosíssimo Salvador, fazer que eu vos seja fiel e que com o meu exemplo excite os outros a vos fazerem companhia no Santíssimo Sacramento. Ouço o Eterno Pai que nos diz: "Eis aqui o meu Filho muito amado, em quem pus todas as minhas complacências" (Mt 17,5).

Um Deus acha em vós, ó Jesus, todas as suas complacências, e eu, ver,ezinho desprezível, não acharei a minha felicidade em estar convosco neste vale de lágrimas? Fogo consumidor, destruí em mim todo o apego às coisas criadas, porque só elas podem tornar-me infiel e afastar-me de vós. Vís i oideus se quiserdes: "Senhor, se quiserdes, podeis curar-me" (Mt 8,2).

Já me tendes feito rantos favores, acrescentai mais este: bani do meu coração todos os afetos que não tendem para vós. Aqui me tendes, eu me entrego inteiramente a vós; o restante de minha vida, consagro-o hoje todo ao amor do Santíssimo Sacramento. E vós, Jesus sacramentado, sede o meu amor durante a vida e na hora da morte, nessa hora em que haveis de ser o meu viático e o meu guia para o reino da vossa eterna felicidade. Assim o espero, assim seja. Amém.

- Meus Jesus, quando verei a beleza da vossa face?


Santo Afonso Maria de Ligório, Visitas a Jesus Sacramentado e a Nossa Senhora

Porque Jesus quis nascer criança - Santo Afonso Maria de Ligório




Porque Jesus quis nascer criança

Por Santo Afonso Maria de Ligório

Parvulus enim natus est nobis, et filius datus est nobis — “Nasceu-nos uma criança; foi-nos dado um filho” (Is. 6, 9).

Sumário. São vários os motivos pelos quais Jesus quis nascer criança. Primeiro, quis desta forma mostrar-nos a sua propensão e facilidade em dar-nos os seus bens. Quis, em segundo lugar, afastar de nós todo o temor ao vermo-Lo reduzido, por assim dizer, a um estado de impotência para nos castigar pelos nossos pecados. Mas sobretudo Jesus nasceu como criança para se fazer amar por nós, não somente de apreço, senão de ternura. Amemo-Lo, pois, de todo o coração, cheguemo-nos a Ele, e peçamos-Lhe toda a sorte de bens.

I. Considerai que ao fim de tantos séculos, depois de tantas súplicas e suspiros, o Messias, a quem os santos Patriarcas e Profetas não tinham sido dignos de verem, o Suspirado das gentes, o desejo das colinas eternas, o nosso Salvador, já veio, já nasceu e já se deu todo a nós: Parvulus natus est nobis, et filius datus est nobis — “Nasceu-nos uma criança; foi-nos dado um filho.” O Filho de Deus se fez pequenino, para nos fazer grandes; deu-se a nós, a fim de que nós nos demos a Ele, veio mostrar-nos o seu amor a fim de que nós Lhe respondamos com o nosso. Façamos-Lhe acolhida afetuosa, amemo-Lo e recorramos a Ele em todas as nossas necessidades.

Puer facile donat. As crianças, diz São Bernardo, gostam de dar o que se lhes pede. Jesus veio como criança para se nos mostrar todo inclinado e propenso a comunicar-nos os seus bens. “Nele estão encerrados todos os tesouros.” (1) “O Pai tudo tem posto em sua mão.” (2) Se desejamos luz, Ele veio para nos iluminar. Se queremos força para resistirmos aos inimigos, Ele veio exatamente para nos confortar. Se queremos o perdão e a salvação, ei-Lo que veio para nos perdoar e nos salvar. Se queremos, finalmente, o dom supremo do divino amor, Ele veio para abrasar-nos o coração. É sobretudo para este fim que se fez criança. Quis aparecer no meio de nós tanto mais amável, quanto mais pobre e humilde, quis tirar-nos todo o temor e ganhar o nosso amor, como observa São Pedro Crisólogo: Taliter venire debuit, qui voluit timorem pellere, quaerere caritatem.

Além disso, Jesus quis vir pequenino para ser de nós amado com amor não somente de apreço, senão também de ternura. Todas as crianças sabem ganhar o afeto de todos aqueles que as vêem; mas quem não amará com toda a ternura a um Deus feito criancinha, necessitado de leite, tiritante de frio, pobre, humilhado, abandonado; a um Deus que chora e está vagindo numa manjedoura sobre a palha? Isso fez o amante São Francisco exclamar: Amemus Puerum de Bethlehem; Amemus Puerum de Bethlehem. Vinde amar a um Deus feito criança, feito pobre, e tão amável que baixou do céu para se dar todo a vós.

 
II. Ó meu Jesus, tão amável e de mim tão desprezado, baixastes do céu, a fim de nos remirdes do inferno e Vos dardes todo a nós, e nós, como temos podido desprezar-Vos tantas vezes e virar-Vos as costas? Ó Deus, os homens mostram-se tão agradecidos às criaturas! Se alguém lhes faz qualquer favor, se alguém vem de longe a visitá-los, se se lhes dá alguma demonstração de afeto, não podem esquecê-lo e sentem-se obrigados a retribuí-lo. E depois são tão ingratos para convosco, que sois o seu Deus, que sois tão amável e que por seu amor não recusastes dar o sangue e a vida.

Mas, ai de mim, que tenho sido para convosco pior do que os outros, por ter sido mais amado de Vós e mais ingrato a vosso amor. Ah! Se tivésseis concedido a um herege, a um idólatra as graças que me dispensastes a mim, ele se teria tornado santo, e eu Vos tenho ofendido. Por piedade, esquecei as injúrias que Vos tenho feito. Mas, Vós já dissestes, que quando um pecador se arrepende, não mais Vos lembrais de todos os ultrajes recebidos (3). Se em outro tempo não Vos amei, para o futuro não quero senão amar-Vos. Vós Vos destes todo a mim e eu Vos dou toda a minha vontade; com esta amo-Vos, amo-Vos, amo-Vos; quero repetí-lo sempre: amo-Vos, amo-Vos. Repetindo isto quero viver, e assim quero morrer, exalando o espírito com estas doces palavras nos lábios: Meu Deus, amo-Vos. Desde o primeiro instante em que entrar na eternidade quero começar a amar-Vos com um amor contínuo, que durará sempre, sem que eu possa ainda deixar de Vos amar.

Entretanto, ó meu Senhor, meu único Bem e meu único Amor, resolvo antepor a vossa vontade a qualquer querer meu. Ainda que me oferecessem o mundo inteiro, não o quero. Não quero mais deixar de amar a quem tanto me tem amado; não quero mais dar desgosto a quem merece da minha parte um amor infinito. Ajudai-me, ó meu Jesus, com a vossa graça, a realizar este desejo. — Maria, minha Rainha, é à vossa intercessão que me reconheço devedor de todas as graças recebidas de Deus; não deixeis de interceder por mim. Vós que sois a Mãe da perseverança, obtende-me a perseverança final. (II 346.)
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1. Col. 2, 3.
2. Io. 3, 35.
3. Is. 43, 25.


(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 111 - 114)

Fonte: Blog São Pio V

Comentário ao Evangelho do dia (02/01) feito por Beato Guerric de Igny


(c. 1080-1157), abade cisterciense
V Sermão do Advento; SC 166


«Eu sou a voz de quem grita no deserto: “Rectificai o caminho do Senhor”»

«Preparai o caminho do Senhor» (Is 40,3). Irmãos, ainda que vos encontreis muito avançados neste caminho, […] é sem limites a bondade para onde dirigimos os nossos passos. Por isso diz todos os dias o viandante que seja sábio: «comecei agora» (Sl 76,11 LXX). Mas são muitos aqueles que andam «errantes pelo deserto e pela solidão» (Sl 106,4) e daí nenhum deles poder dizer «comecei agora».

«O temor do Senhor é o princípio da sabedoria» (Sl 110,10) e, se é esse o princípio da sabedoria, também é o início do bom caminho. […] É ele que provoca a confissão dos pecados […], que leva o orgulhoso ao arrependimento e lhe permite escutar a voz daquele que prega no deserto, que manda preparar o caminho e mostra por onde começar: «Penitenciai-vos, porque está próximo o Reino do Céu» (Mt 3,2; cf 4,17) […].

Se já te encontras neste caminho, não percas o norte, uma vez que isso seria uma ofensa para o Senhor que aí te conduziu, e que assim te deixaria andar errante pelos caminhos do teu coração. […] E, se o teu caminho te parecer apertado (Mt 7,14), não percas de vista o fim ao qual ele te conduz. Se fores capaz de ver esse fim de toda a perfeição, sem demora dirás: «Como as tuas ordens são generosas!» (Sl 118,96). E se mesmo assim não conseguires vislumbrá-lo, toma sentido no que diz Isaías […]: «Hão-de seguir por este caminho de eleição (Is 57,17) aqueles que o Senhor libertar, e hão-de chegar a Jerusalém com brados de alegria, com eterna felicidade a iluminar-lhes o rosto, o júbilo e o contentamento por companheiros e já sem qualquer tristeza nem aflição no coração» (Is 35,9-10). Todo aquele que pensar no seu fim, não só achará o caminho espaçoso, mas também tomará asas, de tal modo que já não há-de caminhar, mas voar. […] Então há-de conduzir-vos e acompanhar-vos Aquele que é o caminho de quem corre e a recompensa de quem chega ao fim: o Senhor, Jesus Cristo (Jo 14,6). 
 
Créditos: Evangelho Quotidiano

Santo Afonso Maria de Ligório, Meditação - Solidão de Jesus no estábulo

 
 
MEDITAÇÃO IX.

SOLIDÃO DE JESUS NO ESTÁBULO.

 
Jesus, ao nascer, escolheu-se para ermitagem e oratório o estábulo de Belém; quis nascer fora da cidade, numa caverna solitária, para inspirar-nos o amor da solidão e do silêncio. Entremos nessa gruta, lá só acharemos solidão e silêncio: Jesus conserva-se silencioso na manjedoura; Maria e José o adoram e contemplam em silêncio. Foi revelado à Irmã Margarida do SS. Sacramento, carmelita descalça, apelidada a Esposa do Menino Jesus, que tudo o que se passou na gruta de Belém, mesmo a visita dos pastores e a adoração dos Santos Reis Magos se fez em silêncio.
 
O silêncio das outras crianças provém da sua impotência; o de Jesus Cristo foi uma virtude. Jesus Menino não fala; mas em seu silêncio, que não diz Ele? Oh! felizes os que se entretém silenciosamente com Jesus, Maria e José nessa santa solidão do presépio! Os pastores lá passaram poucos instantes e saíram inflamados de amor para com Deus louvando-o e bendizendo-o. Oh! feliz a alma que se retira à solidão de Belém para contemplar a divina misericórdia e o amor que um Deus teve e tem aos homens! Eu a levarei à solidão e falarei a seu coração. Lá o divino Infante lhe falará não aos ouvidos mas ao coração, e a convidará a amar um Deus que tão ternamente a ama. Ao ver a pobreza desse encantador ermitãozinho que fica na gruta gelada, sem lume, tendo apenas uma manjedoura por berço e um pouco de palha por leito; ao ouvir os vagidos e ao ver as lágrimas desse Menino, a inocência mesma; ao refletir que é o seu Deus, como poderia pensar em outra coisa senão em amá-lo? O estábulo de Belém, eis a doce ermida para a alma que tem fé.
 
Imitemos a Maria e José que, inflamados de amor, contemplam o adorável Filho de Deus revestido de carne e sujeito às misérias desta vida, o Sábio por excelência tornado criança sem palavra, o Grande feito pequeno, o Altíssimo tão rebaixado, o Riquíssimo feito tão pobre, o Todo-poderoso feito fraco. Numa palavra, vejamos a Majestade divina oculta sob a forma duma criancinha, desprezada e abandonada por todos, fazendo e sofrendo tudo para se tornar amável aos homens, e peçamos-lhe a graça de sermos admitidos nessa santa solidão; detenhamo-nos lá, lá fiquemos e de lá não saiamos mais. “Ó bela solidão, exclama S. Jerônimo, na qual Deus fala e conversa com as almas que ama”, não como um soberano, mas como um amigo, como um irmão, como um esposo! Oh! que paraíso, entreter-se a sós com Jesus Menino na humilde gruta de Belém!

Afetos e Súplicas.

Meu caro Salvador, sois o Rei do céu, o Rei dos reis, o Filho de Deus; como pois vos vejo nesse estábulo abandonado de todos? junto de vós só vejo José e vossa santa Mãe. Desejo juntar-me a eles para vos fazer companhia; não me repilais. Sou indigno disso; mas considerando-vos parece-me ouvir no fundo do meu coração uma doce voz que me chama... Sim, venho a vós, ó querido Infante! deixo tudo para ficar a sós convosco durante toda a minha vida, ó divino Solitário, único amor de minha alma! Insensato que fui no passado, quando vos abandonei, meu Jesus, e vos deixei só, para mendigar das criaturas prazeres miseráveis e envenenados; mas agora, aclarado pela vossa graça, não tenho outro desejo senão de viver solitário convosco, que quereis viver solitário neste mundo. Ah! quem me dará asas como as da pomba, e voarei ao lugar do meu repouso. Quem me dará a força de sair deste mundo, onde tantas vezes encontrei a minha ruína, de fugir, e de ficar sempre convosco, que sois a alegria do paraíso e o verdadeiro amigo da minha alma? Senhor, prendei-me a vossos pés, a fim que me não afaste mais de vós, e tenha a felicidade de vos fazer sempre companhia. Pelos méritos de vossa solidão na gruta de Belém, concedei-me um contínuo recolhimento interior, fazei que minha alma se torne como uma cela solitária, onde, unicamente atento em entreter-me convosco, eu vos submeta todos os meus pensamentos e todas as minhas ações, vos consagre todos os meus afetos, e vos ame sem cessar, suspirando pelo momento de sair da prisão do meu corpo para ir amar-vos face a face no céu. Amo-vos, Bondade infinita, e espero amar-vos sempre no tempo e na eternidade.
 
Ó Maria, que tudo podeis, pedi a Jesus me prenda com as cadeias de meu amor, e não permitais me suceda perder novamente a sua graça.


Fonte: Blog São Pio V
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